sábado, março 26, 2011

Short Story - Capsules (hipotéticos excertos de...)

 "...e sou confrontado frequentemente com a rubrica "Filmes da infância" em conversas de amigos. Faço um esforço por acompanhar a ideia, não sendo de todo leigo em termos de filmo-grafia infantil dos anos 60... 70... 80. Conheço os títulos e a ideia central, mas desconheço totalmente as voltas todas que os seus criadores decidiram meter pelo meio. Em boa verdade, consigo manter a conversa em circulação desde que suficientemente sucinta e superficial, saltando de filme para filme à cadência constante do melhor zapping. Assusta-me porem o facto de, por vezes, ficar-se alguns minutos a aprofundar uma longa metragem... com todos os seus pormenores, cores e falas. Aí sinto-me de fora e quando confrontado com a pergunta "Então mas tu nunca viste este filme?" não me resta nada mais do que um redondo e honesto "Não!"...

...chegam a dizer que nunca tive infância....

...a minha vida simplesmente não o permitiu. Ser enclausurado dentro de cápsulas, amarrado até à quinta casa e ver o teu cérebro ligado a máquinas que tentam abrir caminho até à origem da imaginação... não é propriamente um filme tão bonito e meigo quanto o Bambi. Sou uma daquelas criaturas bizarras que ocupam os recantos obscuros do mundo, aquelas mesmas criaturas que todos sabemos que existem mas que ninguém tem a coragem para admitir...

...têm os olhos trocados com tanta mentira...

...vivo entre humanos, fui criado por humanos, fui explorado por humanos... mas agora estou escondido. haha! Desde que consumei a minha fuga que a paz tem reinado na minha mente. Encontrei amigos... esses mesmos amigos que me acusam de não ter tido infância... mas são bons amigos. Simplesmente desconhecem que nem todos têm uma vida pacata durante o seu crescimento... que nem todos puderam tocar as flores ou brincar com as aranhas e as osgas... que todos os arrepios de alegria que percorriam o meu corpo eram gerados por eléctrodos, quando mos retiravam no final de mais um dia de exploração...

...não lhes dei nada. A sua busca, ao final de tantos anos foi infrutífera! haha! Sim, enquanto muitos brincavam com bonecas e carrinhos, uns poucos combatiam arduamente para impedir a queda do império...

...saudades. Não me ofendo com os amigos de hoje. Aliás, estimo a sua simplicidade e inocência. É giro falar de imaginação como um dos seus guardiões... sem eles se aperceberem da sua presença. E curiosamente, esses mesmos amigos que me acusam de não ter infância são os mesmos que sem saber abrem as suas portas a todos os refugiados das minhas batalhas de criança. Silenciosamente, Trolls, Elfos, Duendes, Dragões, alguns Anões carrancudos e muitos outros alojam-se nas suas mentes... prosperando... dando azo à sobrevivência de toda uma nação. E quem sabe daqui a uns anos, os filhos de todos estes refugiados não transitem para as mentes da descendência dos meus amigos...

...que cumpri parte da minha missão...

...se não tive infância? Tive... mas tive-a de um modo especial, para que os vossos filhos também pudessem desfrutar dela!"

quinta-feira, março 03, 2011