domingo, março 26, 2006

7º Capítulo - Faro

Acordo sobressaltado. Um frenesim de vozes enche o ar que rodeia o navio. Salem entra na camarata eufórico. Finalmente chegámos a Faro. Levanto-me num ápice, tamanha é a minha ânsia de conhecer gente nova. Cá fora vislumbro um novo mar, um imenso mar de gente diferente. Comerciantes almóadas, com imensas mercadorias do norte de Africa, fazem o seu negócio em terras por nós pouco conhecidas. Yusuf emerge enérgico do seu camarote. Também ele se sente contagiado pela doce melodia vocal de uma nova cidade. Ao descermos a rampa, que nos dá acesso ao cais, apercebemo-nos da comitiva que nos aguarda. O governador e a sua guarda aproximam-se agilmente parando a poucos metros de Yusuf. Após poucas palavras e alguns cumprimentos, seguimos escoltados para o palácio. No rosto dos soldados que nos rodeiam consigo distinguir alivio. A desorientação governamental fez com que os estados muçulmanos perdessem uma grande porção de terra para os cristãos, levando à crescente inquietação popular. A chegada de Yusuf à península leva a que o povo volte a acreditar na paz e serenidade no Al-Andaluz. Enquanto caminhamos, vou observando as ruas e as suas casas. Caiadas, casas geométricas estendiam-se ao longo da cidade, pontuadas por mesquitas. Perto do centro da cidade, um único monumento cristão. É um sinal harmonioso demonstrativo da tolerância religiosa, sempre respeitada na península. É de certa forma uma maneira de cativar os cristãos a permanecer em terras a eles conquistadas. Yusuf conversa durante quase todo o caminho com o governador. Salem, pelo contrário, delicia-se com a beleza das mulheres desta cidade que com a sua exótica presença nos presenteiam. Grupos embriagados de mercenários cantam não muito longe daqui. Ao fundo da rua surge o palácio, altamente ornamentado e de estrutura ampla. Os grandes pórticos enunciam a grandiosidade que outrora tivera esta cidade. Música acompanha as nossas passadas ao longo da sala principal. A alegria contagiante aconchega-nos a alma, como se estivéssemos novamente em casa. É bom estar com esta gente. As conversações entre Yusuf e o governador parecem durar horas. Enquanto um dos guardas rói as unhas, o outro parece não saber que parte da veste lhe faz mais comichão. Todos nós procuramos algo com que nos entreter. O ambiente passou de calmo a “de cortar à faca”. Uma simples palavra pode mudar o rumo dos acontecimentos, e aparentes amigos voltam a ser novamente inimigos. Alá premiará a nossa paciência.

domingo, março 05, 2006

6º Capítulo - Interminável mar

Partimos com o raiar do dia. Penetrando a matinal neblina, o alegre aroma da maresia toca-me a alma. Ainda agora a deixamos e já lhe sinto saudades. “Rumo à Europa” exclama aventurosamente Yusuf. Sinceramente, receio esta nova aventura. Enquanto vacilamos de um lado para o outro, contrariando o balançar do barco, podemos contemplar o enorme mar Atlântico. Gaivotas acompanham-nos planando sobre o mastro. Avizinha-se uma longa jornada e todos procuram com que se entreter. O barco apresenta um comprimento reduzido para combate, mas os esforços de Amir permitem agora uma viagem sem grandes percalços. Yusuf parece irrequieto. Passeia-se de um lado para o outro do barco, tamanha é a sua preocupação. Bem cedo, despediu-se de Amir e Al-Amiri, como se jamais os voltasse a ver. Alá decidiu separar o que um dia uniu. Yusuf teme um eventual reforço da praça-forte de Gibraltar, durante a travessia dos seus amigos, reforço esse que poderia comprometer toda a operação, pondo em risco as suas vidas. Com o mar suave como a seda, marinheiros alegram-se no convés, cantando histórias de gloriosas batalhas por eles travadas. As princesas berberes rodopiam freneticamente ao som da música... que magnifica visão. Entre a dança e a cantoria, todos querem saber dos grandes feitos de Yusuf. Por momentos, a calma reina no nosso pequeno navio. Yusuf pode ser um grande guerreiro, mas é também um hábil contador de histórias, e neste caso, provavelmente o melhor que se encontra a bordo. Juntamente com Salem, Yusuf narra as suas conquistas no Egipto, Tunísia, Argélia e Marrocos, tanto as pacificas como as mais sangrentas. No meio de mil aventuras e tentando mostrar-se desinteressado, o capitão guia-nos rumo a norte, para mais perto da costa do Grab Al-Andaluz. Ao longe, começo a distinguir enormes florestas, presenteadas em curtos intervalos por vivazes pomares de laranjeiras. Compreendo as intenções de Yusuf em querer controlar a península. Ao contrário do norte de Africa, estas terras são ricas e deveras bastante produtivas. Os rios são numerosos e pela sua foz, aparentam ser imensos. De sudoeste, os ventos marítimos trazem humidade, tornado esta terra fresca e temperada. Caminho para a proa, procurando vislumbrar algo mais no horizonte. Sem que me aperceba, Salem pára a meu lado. Num tom divagante, fala-me das muitas civilizações que habitam e disputam o Grab, das magníficas fortalezas e poderosos castelos, de vastas planícies e altas montanhas, florestas imensas e numerosos povoamentos, de animais e plantas jamais vistos. Enquanto a noite se aproxima, dou por mim a sonhar acordado, imaginando todas as coisas que amanhã espero ver estando certo porém, que Alá permitirá que as veja.