sexta-feira, fevereiro 23, 2007

16º Capitulo - Batedor

O tempo passa devagar… demasiado devagar para quem espera! Mas a espera dá os seus frutos e transforma a mais densa névoa num pequeno véu que se torna simples de atravessar. O encadear da luz na minha vista faz-me vislumbrar algo mais no horizonte que os leves contornos dos montes cobertos de laranjeiras aqui e ali rasgados por ténues caminhos. Curioso, corro para as muralhas. Maria deixa-se ficar para trás, docemente embriagada com o caloroso abraço do sol. Já no alto, volto a percorrer o horizonte. Algo brilha no meio dos pomares… pequeno, talvez do tamanho de um homem… “Mas que raio será aquilo?” penso eu enquanto acompanho os seus movimentos por entre as árvores. Deixo a muralha com um nó de curiosidade no estômago e um escaldante latejar no peito. Sinto o amuleto quente, mas não aquecido pelo alto sol. Parece ter calor próprio… e foi aquela coisa brilhante no horizonte que o despoletou. Na cidade, todos se encontram ocupados e talvez distraídos demais para se preocuparem com aquela coisa estranha no alto do monte. Decido investigar. Perto da casa do governador falo com Abdul sobre as minhas ideias. Sedento de um pouco de ar fresco, decide vir comigo… “Mais não seja, comemos umas laranjas para adoçar a boca!” exclama com tom de gozo. Partimos a cavalo. A distância não é muita, mas uma saída a pé não seria uma atitude prudente em tempo de guerra. Cavalgamos rapidamente pelo meio dos pomares, evitando um contacto directo com o objecto brilhante. Já perto, desmontamos e prosseguimos com as cimitarras desembainhadas. Estranhos ruídos soam por entre as árvores… e o que aparentava ser apenas um objecto, é na realidade uma criatura estranha, feita de cristal negro. “Um batedor!” penso no mais profundo silêncio. Puxo a túnica de Abdul. “É um deles!”, sussurro. Recuamos para um pequeno declive e ficamos estáticos a tentar compreender o que realmente tínhamos visto. Ouvimos passos rápidos… o ardor que me queima o peito leva-me a levantar a cabeça. Vejo a criatura correr monte abaixo… “Ouviu-nos!”. Antes de conseguir proferir uma palavra que seja para alertar Abdul, oiço um leve assobiar rasgar o ar, seguido do claro som de cristal a partir. “A esta distância até num pardal acertava!”. Estamos em pleno alerta quando um jovem se deixa cair de uma laranjeira próxima. “Este não conta nada a ninguém.” ri-se enquanto guarda o seu arco curto. Teht é o seu nome, e é um dos poucos sobreviventes do ataque a Cadiz. Há dias que caminha para alertar o governador de Huelva, mas tem encontrado demasiadas criaturas para que a viagem seja breve. “Venham ver!”, exclama Teht. Puro cristal, nem carne, nem osso! “E há muitos mais por detrás daquele montes.” De quando em quando, pequenos pontos brilhantes refulgem pelas serras. Oiço Abdul engolir em seco enquanto agarra alguns restos da brilhante criatura. Mas que mais nos reserva Alá?