segunda-feira, dezembro 01, 2008
23º Capitulo - No outro lado
Onde estou? Que local negro é este? O que me aconteceu afinal? Que desígnios terá Alá reservado para mim nesta penumbra? Lembro-me daquela pedra negra; daqueles rostos a gritar por ajuda; de um calor intenso que me consumia o peito... e de um frio de morte que me tocava o corpo! Estarei morto? Não acredito que a criatividade de Alá se tenha ficado por algo tão... triste, negro, sombrio. Olho em volta. Pelo que a minha vista alcança, apenas pequenos tons de arroxeado sobressaem da penumbra, pequenos contornos que se destacam, rectos, talhados. Parece que estou dentro do cristal para o qual estava a olhar. Será possível? E, se sim, onde estão aqueles tenebrosos rostos que o preenchiam? Um toque no ombro faz-me saltar de susto. Viro-me rapidamente e busco em vão a cimitarra no meu cinto. "Não creio que necessites dessa "arma" aqui." Disse, rindo, algo que não me pareceu mais que uma névoa. "Não há lamina que corte o vento... ou estaremos errados?" Indefeso, assenti. Mais não posso fazer num local que não me é de todo familiar, com visão reduzida e sem arma. Decido começar com perguntas inocentes... "Que quereis? Onde me encontro? O que sois vós?" Um novo toque no ombro faz-me entrar em sobressalto. Viro-me e uma nova voz sai da névoa que neste momento circula em torno de mim. "Somos tempo... Passado, presente e futuro... tudo e nada. Estás perdido numa pequena brecha que a tua curiosidade abriu jovem aventureiro. Não creio ter visto alguém tão jovem por estas bandas faz já algum tempo. Que ordem servis?" A custo, respondi. "Sou escritor e vim registar os feitos de Yusuf. Não sirvo uma ordem, apenas a vontade de Alá." Tudo em volta se agita... aparentemente a minha resposta não é bem aquela que estes estranhos espectros esperavam. Uma pequena frase ecoou naquele misterioso espaço: "Não está forjado... não tem sangue!" Sinto o peito a aquecer em proporções abismais. O amuleto queima-me a pele, tolda-me a mente, fere-me o raciocínio. Os segredos tornam-se frases, as frases tornam-se gritos, os gritos tornam-se insuportáveis minutos de pura agonia e sofrimento. Cerro os olhos na esperança de conter todas as minhas dores o melhor que posso, na expectativa que tudo passe depressa. "Não devia ser ele... ele devia ter sangue nas mãos..." reflecte nas paredes cristalinas que me rodeiam. Todos os momentos se tornam dor, respirar é um martírio, sentir é um sofrimento. Não aguento mais e sinto-me desfalecer. Ao fundo consigo ouvir o meu nome, nada mais. Apenas o meu nome... talvez um pouco mais perto agora. E agora ainda mais, como se me chamassem mesmo aqui, bem perto. Acordo com os guardas a abanarem-me e a chamarem por mim. "Está bem?" Assinto com a cabeça, um pouco perdido com tudo o que se passara. "Senhor... eles estão aqui... estamos a preparar a defesa da cidade." Tudo passara depressa demais. Apenas mais um paradigma na minha estada nesta cidade. Terei de me juntar ao resto dos meus colegas para ganhar com dor ou morrer com honra. Ao sair do quarto olho para um canto do chão. Ali jaz o cristal, sem vida, seco e escurecido. Uma pequena racha preenche o local onde eu tinha visto todos aqueles espectros... os mesmos com que creio ter falado. Alá criará discernimento para as provações que se avizinham.
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