Acordo exaltado. Uma pequena frase lateja na minha cabeça, como que uma réstia de sonhos macabros que não deseja sair do meu pensamento. “Chegaremos hoje…”. Lavo a cara e vejo um rosto conhecido já aos pulos na varanda. Maria aparenta estar bem alegre, brincando enquanto o sol se eleva. Visto a túnica e saio para tentar encontrar Abdul. Este encontra-se num salão outrora majestoso, actualmente transformado na sala de planeamento pelo governador. Já cá estão todos os meus companheiros de viagem, cada um ponderando e debatendo os pormenores de um possível embate. Sento-me um pouco mais afastado, comendo e tentando apagar da memória aquela frase tão curta mas perversamente perturbante. Abdul aproxima-se… Num movimento rápido atiro a sua bolsa. “Perdes-te isto?” pergunto. Abdul pára para pensar e sorri. “Não pensei voltar a ver isto… e sinceramente a ti também não!”. Fico estático. Abdul conta-me então tudo o que se passara com eles desde que nos separáramos. Porém, o que mais me intrigou foi o facto de, na sua narrativa, eu não estar com eles quando se deu o ataque. “Pensámos que eras um deles!” exclamou! Tulfah apercebe-se da conversa e aproxima-se. Olha directamente para mim e graceja desmesuradamente. Ainda estático com a cabeça às voltas e sem saber o que me tinha acontecido aquando do ataque, ouço novamente a mesma voz dos sonhos: “Preparem-se… Chegaremos Hoje…”. Tulfah dá-me uma sapatada que me faz voltar a mim. “…sim amigo… não sei o que realmente se passou mas cortava-te a goela se fosses um deles!” ri-se descontrolado. Ainda perturbado com a voz, peço desculpas e saio da sala. Já em outra sala, ouço Tulfah gritar: “Estava a brincar!... Que bicho lhe mordeu?”. Nem eu sei. Vasculho a minha mente para tentar perceber que voz é aquela. Nada… apenas o constante “chegaremos hoje”. Mas quem? Quem é que vai chegar hoje? Decido dar uma volta pela cidade para espairecer. Todos os outros se dedicam às tácticas e organização dos homens para o combate. Ainda é cedo, mas a azafama já invade as ruas. Balistas e catapultas são construídas, óleo é preparado, armas são limpas. Mulheres e crianças correm desenfreadamente para conseguir reunir o máximo de alimento possível para o que está para vir. Sinto-me vaguear. Tudo corre alucinadamente nesta cidade… tal como todas as coisas que me toldam o pensamento. Como é que eu desapareci se acordei exactamente no sítio onde me tinha deixado dormir? Como podem dizer que não estava lá? Não me terão visto? Por onde andei então, caso realmente tenha desaparecido? Sinto o familiar puxão de Maria nas minhas vestes. Pergunto-lhe como me encontrou. Para meu espanto, ri-se. “Não é muito difícil encontrar alguém à porta da casa do governador!”. E cá estou eu, estático… a poucos metros da praça principal. Nem dez metros percorridos? Por Alá… o que se passa comigo hoje?
quinta-feira, dezembro 21, 2006
15º Capítulo - Estranhos pensamentos
sábado, novembro 25, 2006
14º Capítulo - Uma nova aliança
O olhar do governador torna-se grave enquanto lê a minha escrita. Na realidade, torna-se fulminante tamanha é a confusão em sua cabeça. Ao mandar chamar um guarda, ficamos
quarta-feira, setembro 06, 2006
13º Capítulo - Más noticias
Olhamos as ruas à procura de feirantes menos bem dispostos… As túnicas assentam esplendidamente, mas a forma da sua aquisição é no mínimo criticável. Decido procurar mais informações com o governador. Se ele não suspeitar de quem somos, não creio que haja qualquer problema em responder a algumas perguntas. Percorremos ruas e ruelas, carregadas de gente cansada. Um burburinho enche o ar, proveniente das atarracadas casas que percorrem as ruas. Temem que depois da queda de Cadiz, a próxima a cair seja Huelva. Milhares de fragmentos de frases entram nos meus ouvidos. Porém, a junção desses mesmos fragmentos relembram-me contos de outras eras. Eras de destruição e poderosas criaturas que assolavam a minha amada Arábia. Avistamos a mesquita. Certamente que o palácio não ficará muito longe. Da pequena rua que percorremos surge uma enorme praça. Outrora majestosa e repleta de poetas, segundo descreve uma senhora, alberga agora milhares de soldados numa prontidão impressionante. Porém a sua prontidão não é de quem vá partir para a guerra, mas sim de quem está à espera que a mesma chegue. Atravessamos a praça com um ligeiro nó no estômago mas qualquer medida mais evasiva poderá denunciar-nos. Leio o terror na cara de muitos jovens que sentados no chão, vão limpando as suas armas. Não crêem na vitória pelo que me consigo aperceber. Terá a destruição de Cadiz sido assim tão grande? Poderá uma cidade cheia de soldados sucumbir tão rapidamente? Não pode ser obra de Al-Amiri e de Amir! O que quer que venha lá é decerto nosso inimigo também. À entrada do palácio o governador não aparenta calma nenhuma. O seu movimento frenético de um lado para o outro aparenta, isso sim, insanidade. Peço-lhe um pouco do seu tempo, algo que nervosamente ele dispensa. Quando lhe pergunto o que acontecera em Cadiz, o seu rosto torna-se grave e ligeiramente branco. Descreve uma história das antigas eras, aquando do aprisionamento de um talismã poderosíssimo nas grandes rochas de Gibraltar. Aparentemente, Alá aprisionou esse talismã por conter criaturas que o Homem não consegue controlar. “É negro… e negros se tornam os que o carregam!” clama o governador. Afirma que alguém o libertou e que a destruição alastra a cada dia. Teme que Huelva seja o próximo alvo. Tento compreender a gravidade da situação, apesar das minhas experiências sobrenaturais se limitarem à reza diária. Decido ajudar. Maria apresenta-se bem mais apreensiva. Quando informo o governador das nossas intenções de participar na defesa da cidade, ele ri-se loucamente. Entrego-lhe os papiros que tenho escrito. Talvez assim ele aceite a nossa ajuda. Alá trará luz a esta cidade.
sábado, agosto 26, 2006
Nota do Autor
A todos os leitores, um muito obrigado por continuarem a acompanhar esta criação. Devo-vos um pedido de desculpas pela demora entre o lançamento de artigos. Tentarei ser mais breve. Decidi dar nomes aos capítulos… digamos que “capítulo
12º Capítulo - Huelva
A cidade aparenta uma decadência imunda. A grandeza das suas muralhas contrasta com a sua falta de preservação. O lixo acumula-se nos cantos sem a mínima preocupação de o limpar. Águas fétidas correm ao lado das crianças que brincam na rua. Mais uma vez consigo compreender os intuitos de Yusuf na conquista da península. Os efeitos da guerra prolongada são novamente evidentes, tanto na cidade como na sua gente. As pessoas que passam por nós aparentam um cansaço extremo. É com estas cidades fragilizadas que contamos para uma mais rápida expansão. Porém, esse assunto neste momento é apenas secundário. Temos de encontrar o resto do grupo. Percorremos a rua principal da cidade. O mercado está apinhado de gente. Maria, com o seu incomparável sorriso, faz-me uma pergunta que em todo me parece desapropriada para o momento: “Qual a tua cor preferida?”. A palavra “Azul” foi seguida de um rápido “Já venho!”. Fico estático ao ver aquela pequena miúda desaparecer na multidão. Ocorre-me que talvez não a volte a ver, mas em parte sei que aquela alma está cheia de surpresas. Vasculho a feira em busca dela mas essa mesma busca revela-se infrutífera. Encolho os ombros e sigo caminho. Uma bancada de kebab chama-me a atenção. Tenho as moedas de Abdul que poderei sempre usar. Estou certo de que não se importará. De barriga cheia, guardo outro kebab para a Maria. Se tornar a aparecer, saber-lhe-á bem. Entre os feirantes, procuro informações, ou pelo menos algo concreto a que me possa agarrar nesta busca. Na maior parte dos casos, em pouco ou nada me podem ajudar. Sinto um puxão na túnica que me é de todo familiar seguido mais uma vez de uma simples frase: “Vem… rápido!”. O alarido que provem da multidão agoira algo. Corremos loucamente pelas ruas labirínticas, até que uma pequena ruela nos servir de abrigo. Com um sorriso comprometedor, Maria estica-me uma túnica e um turbante de um azul indescritível. “É a tua cara!” exclama vigorosamente. Para ela, uma bela túnica laranja transmitia um eterno pôr-do-sol. Os olhos de Maria demonstram alegria enquanto se delicia com o kebab. Falando de boca cheia, conta-me o que ouvira no mercado sobre um grupo de homens armados, capturados esta manhã. Parece que procuram um outro soldado. Está claro que se trata do meu grupo. Segundo Maria, encontram-me na prisão aguardando interrogatório. Comenta algo sobre a destruição de Cadiz que em tudo me desperta a atenção. Consideram o meu grupo como parte do exército que esmagou essa cidade. “Talvez espiões!” afirmavam eles. Fico confuso. Não creio que sejam piedosos com soldados inimigos, e como tal, devo agir o mais depressa possível. Algo está muito mal e eu tenho de descobrir o que é. Alá dar-me-á forças para esta missão.
quinta-feira, agosto 03, 2006
11º Capítulo - Maria
A caminhada não se aparenta árdua nem interminável. A estrada percorre apenas algumas colinas antes de embater nas fortes muralhas de Huelva. Vou saboreando as laranjas que colhi enquanto me tento recordar do que aconteceu. Mas afinal o que aconteceu? Enquanto vasculho inutilmente o meu cérebro em busca de respostas, sou interrompido por um leve puxão na túnica. Ao voltar-me uma pequena rapariga esbugalha dois mares na minha direcção. As suas vestes rasgadas demonstram uma vida privada de luxos e talvez repleta de maus-tratos. Estico-lhe uma laranja… a sua reacção é nula. Encolhendo os ombros, retomo novamente a esguia estrada. Novo puxão e reencontro os mesmos olhos abertos parvamente. Desta vez, a sua pequena boca abriu-se levemente pronunciando um simples e intrigante: “eram teus amigos?”. Após uma resposta afirmativa, comecei a bombardear a rapariga com perguntas sobre o seu paradeiro. Apesar de não saber onde se encontram, afirma que os homens que os levaram eram soldados da guarda da cidade. Aparentemente a nossa chegada aqui havia sido previamente alertada. Algo voltava a não bater certo. Se partimos de Faro em relativo secretismo, como foi possível armarem-nos uma cilada tão prontamente? Menciono o acontecido pouco tempo antes enquanto dormia, procurando encontrar respostas a algumas perguntas das muitas que deambulam na minha mente. A resposta, bem distante daquela que esperava, é um sorridente “vou-te ajudar!”. Encaminhamo-nos para a cidade. Pelo caminho, falamos alegremente, em parte devido à excelente disposição de tão viva miúda. Aparentemente abandonada à nascença, Maria fugiu de um convento no norte da península. Cristã de origem, foi deambulando rumo ao sul, roubando para sobreviver, em busca de riqueza e paz. Afirma apenas ter visto os guardas levarem o resto do grupo, mas a sua alma sabe mais do que a sua boca fala. O seu infantil secretismo revela a incompreensão de algo visto. Sei que independentemente do eu seja, haverá palavras que o expliquem. Talvez ainda não se sinta inteiramente à vontade para falar nisso. Decido respeitar a sua posição, apesar de saber que vai atrasar a compreensão de muitas coisas passadas. Pouco falta andar para chegarmos à patrulha da ponte, quando lhe acabo de contar todas as minhas aventuras ao lado de Yusuf. Os seus brilhantes olhos e o sorriso rasgado demonstram admiração. Paramos a uma distância segura para combinar a melhor maneira de não levantar suspeitas. Poeta e aprendiz aparenta ser uma razoável desculpa para entrar na cidade e os papiros que trago comigo servirão de prova. Decido rasgar um pouco a roupa para que a discrepância de vestuários não seja tão evidente. Poucos minutos volvidos, e encontramo-nos frente a frente com os guardas. Ocupados com todos os homens que aparentam porte de guerreiro, deixam-nos passar sem muitas perguntas. É fácil discernir que andam à procura de alguém. Conhecendo esse alguém, agradeço pela primeira vez na vida a Alá, o facto de me terem avaliado mal.
quinta-feira, junho 15, 2006
10º Capítulo - Confusão
Mantivemo-nos em silêncio durante quase todo o caminho desde que atravessámos o belo Guadiana. Huelva sobressai no horizonte agora rasgado pela claridade que antecede o nascer do sol. Os tons alaranjados dão à paisagem uma sensação de calma, invulgar por estas paragens. Parece que a guerra não passa de algo inventado apenas para fazer esquecer a beleza do mundo. Com aprovação de todos, decidimos descansar umas horas, enquanto o sol não está alto. Os cavalos bebericam no regato que corre a pouco metros de nós, enquanto a leve brisa agita a erva onde nos sentamos. Pássaros voam alegremente, como se as batalhas já travadas naqueles campos nunca tivessem acontecido. É incrível apercebermo-nos da efemeridade dos actos humanos, de como um dia o Homem deixará de fazer parte deste cenário mas tudo o resto continuará a existir. Corre-me na mente a probabilidade de sermos o único ser vivo com a capacidade de se extinguir a ele próprio. Envolto em pensamentos, adormeço. Acordo com o sol a bater-me fortemente na cara. Com os olhos ainda embriagados de sono, busco pelos meus companheiros, mas de nada me vale. Desapareceram… e com eles os cavalos. Sinto uma forte frustração enevoar-me o raciocínio. Sento-me para pensar. Perscrutando o local onde tinha adormecido, vejo uma bolsa de couro. Num dos lados, consegue-se ler “Abdul” gravado a letras douradas. Pelo que me lembro da nossa curta viagem, Abdul é um jovem alto, rigidamente marcado pela guerra que apresentava uma profunda cicatriz no rosto, proveniente de alguma batalha antes travada. No seu interior, algumas moedas de ouro e outros pequenos pertences que jamais alguém deixaria para trás. O corrupio desenhado na erva demonstra mais gente do que aquela com quem vim. Algo se passou enquanto dormia… algo estranho, que sinceramente não consigo compreender. Estou certo de que fizeram barulho! Como foi possível não os ouvir? Estaria demasiado cansado? Se partiram sem mim, porque o fizeram? Se alguém teve aqui e os levou, porque não me levaram também? Não aparento eu ser um homem de armas? Sinto a cabeça a andar à roda com tantas perguntas sem resposta. Toco o meu amuleto procurando fugir a toda a confusão que me inunda. Vasculho a área envolvente à procura de outras pistas… mas não consigo encontrar mais nada. Toda a calma que me rodeia torna-se enervante. Até a minha cimitarra levaram! Sete moedas de prata são o único peso da minha bolsa. Após colher algumas laranjas, faço-me sozinho à estrada. Apenas Alá saberá as aventuras que me aguardam.
sexta-feira, maio 26, 2006
9º Capítulo - Caminho para Huelva
domingo, abril 16, 2006
8º Capítulo - O inicio de uma demanda
Um jovem ensanguentado entra na sala onde nos encontramos. Carregado a ombros por dois guardas, vem pedir auxílio por Gibraltar. Yusuf ainda se encontra ocupado com o governador, mas a sua conversa terá de ser adiada para mais tarde. Pelo que consigo ouvir da outra sala, o jovem batedor fala de um poderoso ataque surpresa à fortaleza, por parte de forças vindas do norte de África. O desfecho da batalha era tanto para ele como para nós desconhecido. Como um relâmpago, Yusuf dirige-me a palavra. Quer que encabece um grupo de batedores para averiguar tanto quanto possível da batalha. Acenei afirmativamente, enquanto olhava desconfiado para o jovem batedor. Não conseguia compreender o motivo do pedido de auxílio ter vindo parar a Faro. Estou certo de que haverá cidades mais próximas de Gibraltar… algo não está certo, mas terei tempo para investigar. Enquanto arrumo os bens a levar, Salem estica-me a mão, soltando um pequeno amuleto em tons lápis-lazúli. Afirma ser uma pequena protecção contra o mal e que apenas os puros de coração o sabem usar. Recuso a oferenda delicadamente mas de nada me vale. Salem parece determinado que eu leve este pequeno colar. Guardo-o na bolsa enquanto me atarefo a preparar as rações para a viagem. Viajaremos ligeiros para não cansar muito os cavalos, razão pela qual não devemos levar nada para além da comida e da cimitarra. Pouco falta para o crepúsculo que antecede a noite. No exterior do palácio, seis nobres cavalos aguardam os seus cavaleiros. Somos poucos em número, mas vejo no rosto daqueles que me acompanham que não são novos neste tipo de aventuras. As marcas que alguns ostentam com orgulho aparentam ser resultado de anteriores incursões em território inimigo. Recebemos pouca informação por parte do batedor ensanguentado. Torna-se complicado prever a localização de tropas almorávidas, sabendo do seu constante movimento para as frentes de batalha com os cristãos. Yusuf apressa-se a entregar-me um pergaminho. No caso de vitória, deverei entregar estas informações ao mais graduado oficial almóada. Sinto o receio atormentar-lhe o coração, e compreendo-o perfeitamente. Enquanto somos presenteados com os milhares de tons que fazem prever uma noite limpa, partimos calmamente em direcção à muralha exterior. Somos acompanhados por inocentes crianças que nos incentivam. Pouco antes de abandonar a cidade, olho para trás e desejo não a ter de abandonar. Com o braço no ar despedimo-nos daqueles que ficam para trás, partindo rapidamente a galope em direcção à escuridão e ao desconhecido. Tocando o amuleto, sinto conforto. Alá será protector nesta nossa louca viagem.
domingo, março 26, 2006
7º Capítulo - Faro
domingo, março 05, 2006
6º Capítulo - Interminável mar
sábado, fevereiro 11, 2006
5º Capítulo - Separação
domingo, janeiro 15, 2006
4º Capítulo - Paz
Aproximam-se novos confrontos... disso tenho a certeza. A ambição de Yusuf não permitirá que nos mantenhamos aqui por muito mais tempo. Resta-nos aproveitar as boas graças de Alá.