A caminhada não se aparenta árdua nem interminável. A estrada percorre apenas algumas colinas antes de embater nas fortes muralhas de Huelva. Vou saboreando as laranjas que colhi enquanto me tento recordar do que aconteceu. Mas afinal o que aconteceu? Enquanto vasculho inutilmente o meu cérebro em busca de respostas, sou interrompido por um leve puxão na túnica. Ao voltar-me uma pequena rapariga esbugalha dois mares na minha direcção. As suas vestes rasgadas demonstram uma vida privada de luxos e talvez repleta de maus-tratos. Estico-lhe uma laranja… a sua reacção é nula. Encolhendo os ombros, retomo novamente a esguia estrada. Novo puxão e reencontro os mesmos olhos abertos parvamente. Desta vez, a sua pequena boca abriu-se levemente pronunciando um simples e intrigante: “eram teus amigos?”. Após uma resposta afirmativa, comecei a bombardear a rapariga com perguntas sobre o seu paradeiro. Apesar de não saber onde se encontram, afirma que os homens que os levaram eram soldados da guarda da cidade. Aparentemente a nossa chegada aqui havia sido previamente alertada. Algo voltava a não bater certo. Se partimos de Faro em relativo secretismo, como foi possível armarem-nos uma cilada tão prontamente? Menciono o acontecido pouco tempo antes enquanto dormia, procurando encontrar respostas a algumas perguntas das muitas que deambulam na minha mente. A resposta, bem distante daquela que esperava, é um sorridente “vou-te ajudar!”. Encaminhamo-nos para a cidade. Pelo caminho, falamos alegremente, em parte devido à excelente disposição de tão viva miúda. Aparentemente abandonada à nascença, Maria fugiu de um convento no norte da península. Cristã de origem, foi deambulando rumo ao sul, roubando para sobreviver, em busca de riqueza e paz. Afirma apenas ter visto os guardas levarem o resto do grupo, mas a sua alma sabe mais do que a sua boca fala. O seu infantil secretismo revela a incompreensão de algo visto. Sei que independentemente do eu seja, haverá palavras que o expliquem. Talvez ainda não se sinta inteiramente à vontade para falar nisso. Decido respeitar a sua posição, apesar de saber que vai atrasar a compreensão de muitas coisas passadas. Pouco falta andar para chegarmos à patrulha da ponte, quando lhe acabo de contar todas as minhas aventuras ao lado de Yusuf. Os seus brilhantes olhos e o sorriso rasgado demonstram admiração. Paramos a uma distância segura para combinar a melhor maneira de não levantar suspeitas. Poeta e aprendiz aparenta ser uma razoável desculpa para entrar na cidade e os papiros que trago comigo servirão de prova. Decido rasgar um pouco a roupa para que a discrepância de vestuários não seja tão evidente. Poucos minutos volvidos, e encontramo-nos frente a frente com os guardas. Ocupados com todos os homens que aparentam porte de guerreiro, deixam-nos passar sem muitas perguntas. É fácil discernir que andam à procura de alguém. Conhecendo esse alguém, agradeço pela primeira vez na vida a Alá, o facto de me terem avaliado mal.
quinta-feira, agosto 03, 2006
11º Capítulo - Maria
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