A todos os leitores, um muito obrigado por continuarem a acompanhar esta criação. Devo-vos um pedido de desculpas pela demora entre o lançamento de artigos. Tentarei ser mais breve. Decidi dar nomes aos capítulos… digamos que “capítulo
sábado, agosto 26, 2006
Nota do Autor
12º Capítulo - Huelva
A cidade aparenta uma decadência imunda. A grandeza das suas muralhas contrasta com a sua falta de preservação. O lixo acumula-se nos cantos sem a mínima preocupação de o limpar. Águas fétidas correm ao lado das crianças que brincam na rua. Mais uma vez consigo compreender os intuitos de Yusuf na conquista da península. Os efeitos da guerra prolongada são novamente evidentes, tanto na cidade como na sua gente. As pessoas que passam por nós aparentam um cansaço extremo. É com estas cidades fragilizadas que contamos para uma mais rápida expansão. Porém, esse assunto neste momento é apenas secundário. Temos de encontrar o resto do grupo. Percorremos a rua principal da cidade. O mercado está apinhado de gente. Maria, com o seu incomparável sorriso, faz-me uma pergunta que em todo me parece desapropriada para o momento: “Qual a tua cor preferida?”. A palavra “Azul” foi seguida de um rápido “Já venho!”. Fico estático ao ver aquela pequena miúda desaparecer na multidão. Ocorre-me que talvez não a volte a ver, mas em parte sei que aquela alma está cheia de surpresas. Vasculho a feira em busca dela mas essa mesma busca revela-se infrutífera. Encolho os ombros e sigo caminho. Uma bancada de kebab chama-me a atenção. Tenho as moedas de Abdul que poderei sempre usar. Estou certo de que não se importará. De barriga cheia, guardo outro kebab para a Maria. Se tornar a aparecer, saber-lhe-á bem. Entre os feirantes, procuro informações, ou pelo menos algo concreto a que me possa agarrar nesta busca. Na maior parte dos casos, em pouco ou nada me podem ajudar. Sinto um puxão na túnica que me é de todo familiar seguido mais uma vez de uma simples frase: “Vem… rápido!”. O alarido que provem da multidão agoira algo. Corremos loucamente pelas ruas labirínticas, até que uma pequena ruela nos servir de abrigo. Com um sorriso comprometedor, Maria estica-me uma túnica e um turbante de um azul indescritível. “É a tua cara!” exclama vigorosamente. Para ela, uma bela túnica laranja transmitia um eterno pôr-do-sol. Os olhos de Maria demonstram alegria enquanto se delicia com o kebab. Falando de boca cheia, conta-me o que ouvira no mercado sobre um grupo de homens armados, capturados esta manhã. Parece que procuram um outro soldado. Está claro que se trata do meu grupo. Segundo Maria, encontram-me na prisão aguardando interrogatório. Comenta algo sobre a destruição de Cadiz que em tudo me desperta a atenção. Consideram o meu grupo como parte do exército que esmagou essa cidade. “Talvez espiões!” afirmavam eles. Fico confuso. Não creio que sejam piedosos com soldados inimigos, e como tal, devo agir o mais depressa possível. Algo está muito mal e eu tenho de descobrir o que é. Alá dar-me-á forças para esta missão.
quinta-feira, agosto 03, 2006
11º Capítulo - Maria
A caminhada não se aparenta árdua nem interminável. A estrada percorre apenas algumas colinas antes de embater nas fortes muralhas de Huelva. Vou saboreando as laranjas que colhi enquanto me tento recordar do que aconteceu. Mas afinal o que aconteceu? Enquanto vasculho inutilmente o meu cérebro em busca de respostas, sou interrompido por um leve puxão na túnica. Ao voltar-me uma pequena rapariga esbugalha dois mares na minha direcção. As suas vestes rasgadas demonstram uma vida privada de luxos e talvez repleta de maus-tratos. Estico-lhe uma laranja… a sua reacção é nula. Encolhendo os ombros, retomo novamente a esguia estrada. Novo puxão e reencontro os mesmos olhos abertos parvamente. Desta vez, a sua pequena boca abriu-se levemente pronunciando um simples e intrigante: “eram teus amigos?”. Após uma resposta afirmativa, comecei a bombardear a rapariga com perguntas sobre o seu paradeiro. Apesar de não saber onde se encontram, afirma que os homens que os levaram eram soldados da guarda da cidade. Aparentemente a nossa chegada aqui havia sido previamente alertada. Algo voltava a não bater certo. Se partimos de Faro em relativo secretismo, como foi possível armarem-nos uma cilada tão prontamente? Menciono o acontecido pouco tempo antes enquanto dormia, procurando encontrar respostas a algumas perguntas das muitas que deambulam na minha mente. A resposta, bem distante daquela que esperava, é um sorridente “vou-te ajudar!”. Encaminhamo-nos para a cidade. Pelo caminho, falamos alegremente, em parte devido à excelente disposição de tão viva miúda. Aparentemente abandonada à nascença, Maria fugiu de um convento no norte da península. Cristã de origem, foi deambulando rumo ao sul, roubando para sobreviver, em busca de riqueza e paz. Afirma apenas ter visto os guardas levarem o resto do grupo, mas a sua alma sabe mais do que a sua boca fala. O seu infantil secretismo revela a incompreensão de algo visto. Sei que independentemente do eu seja, haverá palavras que o expliquem. Talvez ainda não se sinta inteiramente à vontade para falar nisso. Decido respeitar a sua posição, apesar de saber que vai atrasar a compreensão de muitas coisas passadas. Pouco falta andar para chegarmos à patrulha da ponte, quando lhe acabo de contar todas as minhas aventuras ao lado de Yusuf. Os seus brilhantes olhos e o sorriso rasgado demonstram admiração. Paramos a uma distância segura para combinar a melhor maneira de não levantar suspeitas. Poeta e aprendiz aparenta ser uma razoável desculpa para entrar na cidade e os papiros que trago comigo servirão de prova. Decido rasgar um pouco a roupa para que a discrepância de vestuários não seja tão evidente. Poucos minutos volvidos, e encontramo-nos frente a frente com os guardas. Ocupados com todos os homens que aparentam porte de guerreiro, deixam-nos passar sem muitas perguntas. É fácil discernir que andam à procura de alguém. Conhecendo esse alguém, agradeço pela primeira vez na vida a Alá, o facto de me terem avaliado mal.