O olhar do governador torna-se grave enquanto lê a minha escrita. Na realidade, torna-se fulminante tamanha é a confusão em sua cabeça. Ao mandar chamar um guarda, ficamos em sobressalto. O facto de nos encontrarmos numa cidade não nossa, e estarmos oficialmente em guerra contra os almóadas, não nos deixa propriamente à vontade. Depois de algumas palavras o guarda abandona novamente a sala. Pouso a mão sobre a cimitarra e Maria calmamente refugia-se atrás de mim. Se houver sarilhos, teremos de sair daqui o mais rapidamente possível… o maior problema é atravessar o mar de soldados inimigos que se encontram no exterior. O governador tenta acalmar-nos. Decerto que a nossa identidade já fora descoberta, e acredito que a nossa proposta de ajuda na defesa o deve ter feito pensar bastante. Exclama: “A cidade é almóada, mas o povo sabe que os tempos dourados apenas se podem ver retratados pela pena dos poetas. Queremos a paz e a beleza de outros tempos. Considerem-nos vossos aliados contra este mal maior!” Fico em silêncio… Por momentos o espanto tolda os meus pensamentos, deixando-me ridiculamente como uma estátua sem o mínimo sopro de vida. Maria coloca-se à minha frente e sorri. “Tudo correu bem não foi?” pergunta alegremente com a sua infantil inocência. Neste momento, não tendo recuperado ainda a lucidez de espírito, entra o resto do meu grupo no palácio. O fedor que trazem é deveras insuportável. Compreendo que as catacumbas não deverão ser dos locais mais limpos da cidade, mas nunca pensei que pudessem cheirar tão mal. Tento evitar os abraços que tão calorosamente me tentam dar como forma de agradecimento. Abdul discretamente sussurra: “Temos de falar!”. Olho para ele como se não me tivesse dito nada e aceno ligeiramente com a cabeça. Há outras prioridades pela frente. Yusuf deverá ser alertado das ocorrências. Para a cidade resistir aos ataques, necessitamos de muito mais que cimitarras e flechas. Necessitamos de astúcia e estratégia. Essas duas qualidades estão mais do que reunidas no homem que nos trouxe nesta expedição. Peço por uma mesa, papel e pena, que me são prontamente disponibilizadas. Enquanto Maria repousa no meu colo, escrevo uma missiva para Yusuf, relatando tudo o que havia acontecido com o grupo. Akmer, o mais rápido batedor do grupo, pede-me que lhe conceda a honra de levar tão importante papiro. Tulfah, o “pequeno touro”, acena como sinal de aval. Estou certo que confiarão nas capacidades deste jovem. Parte imediatamente. O governador parece bem mais calmo e contente. São preparadas camas e comida para nós, dada a nossa subida do estatuto de espiões a convidados de honra. Amanhã começarão os treinos e outros preparativos para o embate. Acompanhado de Maria, dirijo-me para o quarto. Alá protegerá a cidade por mais uma noite.