Mantivemo-nos em silêncio durante quase todo o caminho desde que atravessámos o belo Guadiana. Huelva sobressai no horizonte agora rasgado pela claridade que antecede o nascer do sol. Os tons alaranjados dão à paisagem uma sensação de calma, invulgar por estas paragens. Parece que a guerra não passa de algo inventado apenas para fazer esquecer a beleza do mundo. Com aprovação de todos, decidimos descansar umas horas, enquanto o sol não está alto. Os cavalos bebericam no regato que corre a pouco metros de nós, enquanto a leve brisa agita a erva onde nos sentamos. Pássaros voam alegremente, como se as batalhas já travadas naqueles campos nunca tivessem acontecido. É incrível apercebermo-nos da efemeridade dos actos humanos, de como um dia o Homem deixará de fazer parte deste cenário mas tudo o resto continuará a existir. Corre-me na mente a probabilidade de sermos o único ser vivo com a capacidade de se extinguir a ele próprio. Envolto em pensamentos, adormeço. Acordo com o sol a bater-me fortemente na cara. Com os olhos ainda embriagados de sono, busco pelos meus companheiros, mas de nada me vale. Desapareceram… e com eles os cavalos. Sinto uma forte frustração enevoar-me o raciocínio. Sento-me para pensar. Perscrutando o local onde tinha adormecido, vejo uma bolsa de couro. Num dos lados, consegue-se ler “Abdul” gravado a letras douradas. Pelo que me lembro da nossa curta viagem, Abdul é um jovem alto, rigidamente marcado pela guerra que apresentava uma profunda cicatriz no rosto, proveniente de alguma batalha antes travada. No seu interior, algumas moedas de ouro e outros pequenos pertences que jamais alguém deixaria para trás. O corrupio desenhado na erva demonstra mais gente do que aquela com quem vim. Algo se passou enquanto dormia… algo estranho, que sinceramente não consigo compreender. Estou certo de que fizeram barulho! Como foi possível não os ouvir? Estaria demasiado cansado? Se partiram sem mim, porque o fizeram? Se alguém teve aqui e os levou, porque não me levaram também? Não aparento eu ser um homem de armas? Sinto a cabeça a andar à roda com tantas perguntas sem resposta. Toco o meu amuleto procurando fugir a toda a confusão que me inunda. Vasculho a área envolvente à procura de outras pistas… mas não consigo encontrar mais nada. Toda a calma que me rodeia torna-se enervante. Até a minha cimitarra levaram! Sete moedas de prata são o único peso da minha bolsa. Após colher algumas laranjas, faço-me sozinho à estrada. Apenas Alá saberá as aventuras que me aguardam.
quinta-feira, junho 15, 2006
10º Capítulo - Confusão
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